quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Crônica de sexta-feira

Leia ouvindo Bonr to die - Lana Del Rey
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Mais uma sexta-feira! Sinto-me tão sozinha nas noites de sexta-feira. A razão para isso... bem, não sei por onde poderia começar. O fato é que fui casada há uns dois ou três anos. Ele se chama Cristopher. Todos os finais de semana saíamos juntos. A experiência não era muito boa. Quase sempre ele se embriagava e terminávamos brigando ferozmente. As vezes ele me machucava. As vezes eu o machucava. E não só fisicamente. Parece que agredir um ao outro era um modo sádico de manter nosso amor. O fato é que de algum modo sinto falta disso, por isso quando chega sexta-feira eu fico deprimida.

Hoje encontrei, ocasionalmente, uma amiga. Fazia uns oito meses que não nos víamos, desde que decide me afastar de toda essa falsidade que são as amizades interesseiras. Ela ficou surpresa por me ver. Perguntou como eu estava. Odeio quando me perguntam como estou porque, no fundo, ninguém está de fato interessado em saber o que se passa em nosso íntimo, perguntam por mera formalidade ou para sondar algum assunto para partilhar nas rodas de fofoca. Para se esquivar da pergunta, quase sempre respondo que estou bem. E foi exatamente a resposta que eu dei: Estou bem, foi o que disse de maneira seca, quase agressiva. Não sei ela ficou constrangida. Ela disse que estava noiva e que casaria em um mês. Deis os parabéns e fingi que estava apressada. Ela me segurou pelo braço, olhou nos meus olhos e disse: 

- Não some não... senti tua falta!

Ela disse de um modo tão sincero que me senti mal por ter sido tão grossa com ela. Para “compensar” a gafe, dei um sorriso com o canto da boca e, por alguma razão, dei meu número para que ela pudesse me ligar. No fundo eu realmente não queria falar com ela ou com qualquer pessoa que fez parte do meu passado, mas a culpa me forçou involuntariamente a tomar essa atitude. Demos um beijinho de despedida. Reparei que enquanto nos despedíamos ela olhou para o meu carrinho de compras, verificando que haviam apenas algumas garrafas de vodca, Martini, whisky, alguns salgadinhos, pão e queijo. Sei que ela penso que eu estava derrotada. Me olhou com pena. Eu fiquei com raiva dessa complacência estúpida dela e saí quase correndo, vermelha de raiva. Essa vagabunda se acha melhor que eu só porque vai entrar numa droga de ralação abusiva, como todas! Passei no caixa, paguei minhas contas, peguei meu carro no estacionamento e saí voando para casa. 

No caminho uma lembrança:
Eu e o Cristopher resolvemos dar uma festinha em casa. Definimos que a festinha seria no sábado e que convidaríamos apenas nossos amigos mais próximos. A Estela, na época, era minha melhor amiga e foi uma das primeiras pessoas para quem liguei convidando. Ela pareceu empolgada quando falei com ela. Na sexta (sempre nas sextas), eu saí para comprar um vestido. Era sempre uma peregrinação horrível encontrar algo que me agradasse. Nunca liguei para roupas da moda. O que me importava era encontrar algo que fizesse eu me sentir bem. Por essa razão nunca chamava o Cristopher: ele sempre reclamava da demora e eu sempre acabava levando qualquer coisa para evitar uma briga. Achei um vestido de ceda, azul. Ele era lindo e coube perfeitamente no meu corpo e, por que não, na minha alma.



Sábado a noite eu estava pronta e toda linda. Cristopher, como sempre, não havia reparado. Eu já não ligava pra isso. Perdi muito tempo chorando porque ele não prestava atenção em mim. Antes eu o cobrava muito e, talvez isso, tenha desgastado nossa relação. Nossos amigos foram chegando um a um ou em casais. As dez e meia, todos já haviam chegado. Colocamos uma música (sempre a que ele gostava) e começamos a beber e bebericar alguma coisa. O Cristopher conversava com todo mundo, com seu ar diplomático e festeiro, enquanto eu fazia das tripas coração pra não deixar a festa acabar em desastre, tentando agradar a todos os convidado. Mais bebida para um, mais petisco para outros. Ah, você não bebe? Ok, vou ver o que posso fazer. Em algum momento entre duas e três horas da madrugada algo me irritou. Então comecei a beber freneticamente e liguei meu foda-se para todo mundo. Bebi até não conseguir mais caminhar sem apoio da parede ou de alguma amiga. Estela me levou para o quarto, dada minhas condições. Cristopher nem se deu ao trabalho, continuou bebendo, cercado por seus escudeiros e duas amigas, Karina e Alice. Nunca fui muito com a cara da Alice.

Acordei subitamente lá pelas tantas. Não reparei em que horas eram. Ainda estava tonta e com um gosto horrível na boca. Me sentia enjoada. Apesar de tonta, estava lúcida e conseguia me equilibrar. Resolvi descer e procurar Cristopher. Ninguém tinha visto ele. Boa parte dos convidados já tinham saído e os que estavam pareciam constrangidos. Perguntei à Estela porque todos estavam estranhos. Ela ficou em silêncio. Comecei a ficar preocupada e desconfiada. Fui agressiva: PORRA, CADÊ O CRISTOPHER, CARALHO?! Estela ficou assustada com minha reação e apontou para o banheiro. Eu entrei e dei de cara com ele comendo a puta da Alice. Fiquei fora de mim: comecei a esbravejar contra os dois e a bater nela. Ele ficou irado e me empurrou com força. Eu caí e bati minha cabeça no vaso sanitário. Apaguei...

Comecei a chorar no carro. Eu sempre soube que ele tinha várias amantes. Ele gostava de garotas jovens e problemáticas. Era um misógino que gostava de subordinar e manipular as mulheres. E eu fui estupida por ter me submetido a ele por tanto tempo. Eu não me arrependo de ter deixado ele. Ao contrário, me sinto aliviada. A muito tempo que nosso relacionamento subsistia em razão do hábito. O amor não existia e não representava mais nada. O que nos amarrava eram as promessas que tínhamos feito um ao outro: vou te proteger, estar sempre ao teu lado, vou te proteger... A obrigação de viver aquela relação nos mantinha juntos. E, apesar de estar aliviada por termos terminado, sinto falta do tempo em que vivemos juntos. Por isso é tão complicado seguir em frente, conhecer outro cara e me entregar à ele. Minhas relações passaram a ser liquidas.

Entro em casa, abro a porta e me deixo cair no sofá. Meu corpo parece que é feito de chumbo. As lagrimas retornam. Para ser franca, eles nem tinham me abandonado. Choro muito, chego a soluçar. Abro uma garrafa de vodca e tomo um trago. Desce queimando e amargando. Sempre que tomo vodca, sinto vontade de vomitar, mas dessa vez não senti. Tomei um longo gole. De certo modo, isso me anestesiou e as lágrimas foram cessando. Creio que é Nietzsche quem diz que o suicídio é um forte consolo, com ele atravessamos mais de um dia ruim. Estava certíssimo. Não tinha coragem de cometer suicídio, disso sempre soube. Eu amava demais a vida para dar um fim abrupto nela. Mas ultimamente andava pensando muito como seria se eu me matasse. Quem sentiria minha falta? Talvez minha mãe ou minha mãe. Depois de hoje, considerei que talvez a Estela fosse sentir. Eram pensamentos apenas. E acho que qualquer ser humano saudável já deve ter pensado nisso pelo menos uma vez na vida.

Eu não sou uma fracassada. Tampouco uma pessoa pessimista. Mas sei lá, quando você compreende que a vida não é um conto de fadas, que a esperança não é uma âncora, você começa a olhar as pessoas a tua volta de um modo diferente, sem ilusões. Você se torna uma pessoa mais sincera e mais honesta consigo mesma, apesar de toda dor. Pode parecer, mas não me tornei uma mulher ressentida, como muito dizem por aí. É complicado. Apenas sei que as noites de sexta-feira acabaram se tornando tristes e vazias para mim. Acontece, faz parte... A cada dia que passa, estou aprendendo a roubar a vida se eu quiser viver. Quer saber, vou ligar para Estela e sair. Afinal, ela pode me fazer rir... ou chorar mais. Porém, tanto faz...

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