Olá, Universos! Hoje tenho uma história de Natal para vocês. O que pode dar errado em uma noite de Natal? Tudo e nada!
De Kétlen
Para Escritores Incríveis
[24/12 16:44 PM] Paulo: Isso é
sério?
[24/12 16:44 PM] Jéssica: Isso
seríssimo, Paulo. Como eu vou passar o Natal sozinha?
[24/12 16:53 PM] Paulo: É muito
ruim? Olha, pode vir pra cá
Meu voo deveria ter partido às 16:30. Eu chegaria na casa
dos meus pais às 18:55. Tempo suficiente para chegar a tempo da ceia, mas a
viagem havia sido cancelada. Antes que eu pudesse entender o motivo, me vi
chorando que nem louca no saguão do aeroporto com o telefone na mão enquanto
explicava para a minha mãe que só poderia sair da cidade dali a quinze horas.
Ou seja, eu poderia dizer adeus ao pudim de doce de leite da minha avó que eu
amava desde criança e para as piadas sem graça de fim de ano. Nunca havia
sentido tanta necessidade daquelas piadas, mas você fica sensível depois de
dois anos morando longe dos pais por causa do trabalho.
Uma Jéssica cabisbaixa dispensava a hotelaria do aeroporto
e saía para procurar um táxi. Pedi para o Paulo me buscar, mas aparentemente
estava muito ocupado com os preparativos para a noite de Natal na casa da avó
dele, porque ele estava demorando demais para responder as mensagens. Diante da
necessidade de ir até ele sozinha, caso não quisesse passar a noite na solidão
da minha kitnet, achei um completo absurdo que eu não tivesse a mínima ideia de
onde a avó do meu namorado morava.
[24/12 17:05 PM] Jéssica: Tudo bem. Me
manda o endereço.
[24/12 17:20 PM] Paulo: Rua Alfaia,
28, Panamá.
Eu perguntei mais
detalhes sobre como chegar, mas ele simplesmente desligou a internet e as
minhas mensagens ficaram por ser recebidas.
Com a mínima vontade que eu tinha de permanecer nas dependências
daquele lugar que dissipara minhas expectativas, tomei um táxi. Um senhor um
tanto mal humorado, careca e rechonchudo me ajudou a colocar a bagagem (uma
única mala roxa) no porta-malas. Sentei
no banco de trás sabendo que logo teria outra crise de choro. No rádio tocava
uma música horrorosa da moda e, ao se acomodar pesadamente no banco do motorista,
o taxista perguntou-me o destino.
- Ah... Só um minuto. - consultei o celular – O endereço é
esse. – mostrei-lhe o celular e ele respondeu com uma confirmação com a cabeça.
Os primeiros minutos de viagem foram torturantes por causa
da música ruim, mas o motorista notou o meu incômodo e trocou de estação, o que
não ajudou muito porque estava tocando uma música tão ruim quanto a primeira.
Lágrimas escorriam de forma que eu não exercia o mínimo
controle sobre isso. Não prestei atenção no caminho, apenas olhava para o
celular e para a mensagem que não chegava para o Paulo. Que tipo de namorado
desliga a internet logo depois de pedir para a namorada encontrá-lo em um lugar
em que ela nunca esteve antes?
Quando o táxi parou, tive a leve impressão de que o taxista
estava me assaltando sorridentemente quando me disse o preço da corrida.
Paguei-o e quando coloquei meu pé para fora do táxi, me ocorreu que eu deveria
ter pedido um desconto porque aquela música horrível agora estava grudada na
minha cabeça.
Com a mala ao lado, endireitei a blusa sob a jaqueta e
tentei esboçar meu rosto mais simpático. Caminhei decididamente à uma casa que
parecia excessivamente triste em relação ao estado de ocupação do Paulo. Não
haviam luzes, mas apenas uma televisão ligada que via-se através das cortinas da
janela frontal. Com três batidas, notei que alguém se erguera do sofá diante a
tv e agora caminhava para a porta. Dei mais uma olhada para a numeração da
casa: 28.
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| Perdizes, zona oeste paulistana |
- Oi? – disse uma voz sonolenta e masculina. Aquele rapaz
poderia estar esperando que o dilúvio se abatesse sobre ele naquele instante,
mas com certeza, não poderia estar esperando pelo Natal. Deveria ter a minha
idade e usava um calção e uma camiseta e parecia ter sido despertado de um belo
sono e não estava muito feliz com isso. Tinha os cabelos castanhos bagunçados e
seus olhos da mesma tonalidade não pareceram esboçar qualquer reação à minha
presença que não fosse incômodo.
- Eu estou procurando o Paulo. Sou a namorada dele,
Jéssica. – disse, em dúvida, porque algo parecia estar errado.
- Conheço pessoas que atendem por esse nome. – ele coçou o
queixo com a barba por fazer - Mas nenhuma mora aqui.
- Ah, ele não mora. É a casa da avó dele. – como se
insistir fizesse o Paulo aparecer na soleira da casa com uma travessa cheia de
cupcakes.
- Que eu sabia a avó dele não mora aqui. Nem a minha avó
mora aqui. – ele respondeu simplesmente.
Meu estômago deu uma pirueta. O taxista deveria ter se
enganado. O desespero imediato deu lugar à sensatez quando me ocorreu a ideia
de que o engano deveria ser de rua. Nenhum taxista competente erraria um bairro
em uma cidade que nem era grande de verdade.
- Desculpe. Acho que o taxista errou a rua. Estou
procurando a rua Alfaia.
- Você está nela. – agora ele havia se recostado à parede e
me olhava com certa dose de divertimento. Seus olhos indo da minha mala para o
meu rosto, que eu sentia ficar cada vez mais vermelho.
- Tem quantas ruas com esse nome por aqui?
- Só essa.
- Ai, não. Mas o endereço está aqui. – puxei o celular da
bolsa e mostrei-lhe a conversa com o endereço que eu procurava.
- Hum... – ele coçou a barba. – Você está no endereço certo
na verdade. Com o detalhe de que este é o conjunto Panamá. E não bairro Panamá.
Todas as minhas forças se esvaíram. As próximas palavras
que saíram da minha boca foram xingamentos para o taxista e logo em seguida
para o Paulo, que simplesmente não atendia o celular. Eram 7:25 PM.
- Se você não se importa... – disse o rapaz depois de um
tempo me observando. – Eu tenho uma noite de Natal para aproveitar.
- Eu também
tenho uma noite de Natal pra aproveitar. – quase gritei com uma onda de ódio
tomando conta do meu peito – Sabe, eu nem deveria estar nessa cidade. – disquei
o número do Paulo no celular, mas ninguém atendeu. Na iminência de mais uma
tentativa, a bateria acabou. – Eu peguei a droga de um táxi e dei um endereço
para aquele idiota, mas ele não foi capaz de me deixar no lugar certo. – joguei
o celular na bolsa. – E agora eu estou em um lugar que eu nunca vi antes diante
de um estranho que tem uma noite de Natal pra aproveitar. – levantei a alça da
mala e comecei a arrastá-la para a rua. – Muito bem. Feliz Natal.
Saí pisando
duro, mas não havia me distanciado cinco metros quando a voz do rapaz irrompeu
não mais da porta, mas da calçada.
- Isso aí dá
em uma rua sem saída.
Segurei o
passo por uns instantes e então marchei na direção contrária, agora voltando na
direção do rapaz. Quando passei reto por ele, ele disse:
- Pra onde
você acha que tá indo?
- Procurar um
táxi.
- Não tem
muitos táxis por aqui.
- Para uma
parada de ônibus.
- Frota
reduzida. E mesmo assim, sabe para qual parada ir e qual ônibus esperar?
- Você está querendo
me ajudar ou me deixar mais nervosa?
- Acho que eu
vou te deixar mais nervosa se disser que você não vai conseguir virar a esquina
sem ser assaltada. Essa aqui não é uma área muito boa.
Tudo parecia
deserto e as poucas pessoas que encontravam-se por perto não pareciam ser
amigáveis.
Então um senhor um tanto mal vestido veio na nossa direção.
Senti uma pontada de medo e meu íntimo quis soar o alarme de perigo, mas ele
abriu os braços na direção do rapaz que eu acabara de dar as costas, envolvendo-o
em um caloroso abraço e desejando-lhe boas festas.
Depois de alguns segundos de conversa como se eu não
existisse, nem estivesse parada olhando para eles, o senhor resolveu me notar.
- E ela? – ele olhou para as minha mala. – Estava morando
com você?
- Eu não a
conheço. Bateu na minha porta por engano.
- Meu nome é
Jéssica. – senti que precisava falar qualquer coisa. – Um taxista me trouxe ao
local errado. Preciso ir para o bairro Panamá.
- Finalmente
me explicou direito. – disse o rapaz que agora sorria como se tivéssemos sido
apresentados cordialmente. – Meu nome é Guilherme. Lamento, mas você não vai
conseguir sair daqui agora. Eu te ajudaria, sabe, não tenho nada melhor pra
fazer. – olhou para as próprias roupas. – mas eu não tenho como te levar a
lugar nenhum se não for com você caminhando com as próprias pernas.
Eu estava a
beira de um novo ataque de choro, mas o senhor, que se apresentou como Maurício
olhou de Guilherme para mim e disse com ar decidido:
- Bom. Na
verdade você vai ajudá-la sim.
- Mas,
padrinho...
- Pode pegar
o meu carro. – antes que o Guilherme elaborasse qualquer desculpa, o senhor
Maurício perguntou – O que você marcou de interessante pro Natal?
Guilherme
abriu a boca, mas depois fechou. Ficou em silêncio como se esperasse que um
raio caísse sobre mim e eu não fosse mais da conta dele. Mas afinal, o que ele
fez foi assentir e me convidar para sentar na varanda da casa dele enquanto
buscava o carro do tio, em uma rua vizinha. Era uma velha Brasília azul escura.
Se me levasse para a casa do Paulo, era o melhor carro que eu já havia visto na
vida.
Jamais havia
recebido uma ajuda a qual eu sentisse tanta vontade de recusar. Quando entrei
no carro, ele simplesmente murmurou algo como “Bairro Panamá aí vamos nós” e
arrancou sem cerimônias enquanto eu ainda colocava o cinto de segurança no
banco do carona.
- Hum... Que
horas são? – perguntei depois de uns quinze minutos em silêncio.
- Garota,
esse é um péssimo jeito de puxar assunto.
- Eu não quis
puxar assunto com você. Só quero saber que horas são. Meu celular está
descarregado.
Quando
paramos no sinal, ele tirou o próprio celular do bolso.
- São nove e
meia.
- Ai, meu
Deus.
- O Natal é
tão importante assim pra você? – ele perguntou, sem tirar os olhos do trânsito,
que estava tão calmo o quanto deveria estar para o horário e data.
- Eu preciso
encontrar o meu namorado. Ele deve estar preocupado. Eu deveria ter chegado há
muito tempo.
- Ele está
preocupado? Você deduziu isso quando ele não atendeu a sua ligação quando a
gente estava na frente da minha casa?
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| Avenida em Nova Iorque |
Senti um
rubor espalhar-se pela minha face e logo em seguida uma onda de raiva me fez
sair do carro antes que o sinal abrisse. Bati a porta do carro com força e saí
para a noite fria praticamente correndo.
- Jéssica!
- Vai embora!
Eu me viro. Muito obrigada.
Mas o
Guilherme me alcançou quando consegui parar um táxi e me segurou pelo braço.
- Eu sabia
que você era cilada quando apareceu com aquela mala na porta da minha casa.
Mas, sabe de uma coisa? Eu não vou decepcionar o meu padrinho.
- Não pode me
obrigar a ir com você.
- Será que o
casal aí pode se resolver? Eu não tenho a noite toda. – disse o taxista
enquanto observava a cena.
- Ela vem
comigo.
O taxista não esperou uma confirmação minha. Simplesmente arrancou nos deixando sozinhos. Eu adoraria fazer um discurso sobre o patriarcado, mas teria que ficar pra outra ocasião. Discutimos enquanto caminhávamos de volta para o carro.
- Se eu ouvir
mais uma piada idiota, eu juro que coloco a minha cabeça pra fora da janela e
começo a gritar que você está me sequestrando.
- Eu juro que
se você fizer isso eu te sequestro mesmo.
Mas, quando
chegamos ao local onde o havíamos deixado o carro, ele havia desaparecido.
Guilherme chamou tantos palavrões que eu quase me senti culpada.
- A gente
precisa ir na delegacia. – tentei dizer.
- E o que
você acha que eles vão fazer? Reembolsar a gente?
- Não, mas
podem pegar quem fez isso.
- Não. Eles
não podem.
- Então eu
pago, ok?
- Com a sua
mala rosa que eles levaram junto?
Na pressa
para sair do carro, acabei esquecendo que a mala ficara lá dentro. Eu estava só
com a minha bolsa.
- Era roxa. –
o olhar que ele lançou me fez perceber que a informação era desnecessária – Você
quer fazer o favor de ligar pra alguém? – a angústia crescia no meu peito.
- Liga você.
Toma. – ele me empurrou o celular dele e imediatamente disquei o número do
Paulo. Ninguém atendeu.
- Acho que
estão todos ocupados. – eu disse em voz baixa.
- Ótimo.
Olha, eu não sei você. Mas eu vou pegar um táxi e vou voltar pra minha casa e
viver meu Natal como planejei desde o começo: dormindo. Com licença. Feliz
Natal.
E, virando as
costas, seguiu o mesmo caminho pelo qual minutos antes eu mesma seguira
correndo. Não tive alternativa se não sair correndo atrás dele.
- Guilherme!
Ele parou um
táxi, entrou e eu fiz o mesmo.
- Se você vai
para a casa do seu namorado, esse táxi não está indo pra lá.
- Eu não
quero ir para a casa do meu namorado. – disse firmemente para o Guilherme e
virando para o motorista pedi-lhe. – Nós vamos para o Aleluia.
- Quê? Ah,
não vamos não. – protestou o Guilherme.
- Ok. – disse
o taxista, que era o oposto do que eu tomara minutos antes.
- Não. Essa
garota tá me sequestrando.
- Olha aqui.
Eu perdi um voo que me levaria para passar o Natal com a minha família, me
perdi em um lugar em que eu nunca havia colocado meus pés antes, percebi que
meu namorado é um babaca, entrei em um carro com um estranho que fez uma droga
de piada de mau gosto, fui impedida de ir embora decentemente com a minha raiva
para descobrir que o carro foi furtado e o tal do Guilherme que não tem nada
melhor pra fazer no Natal me vira as costas e diz que vai me deixar sozinha em
um lugar que eu nem sei que nome tem. E agora são o que... – com a maior
autoridade que consegui reunir, meti a mão no bolso dele e olhei o celular –
dez e quinze. E eu só quero chegar no Aleluia
a tempo, porque, sim, até uma comemoração pública me parece menos deprimente do
que voltar para a minha kitnet e simplesmente dormir. E não vem me dizer que
você tem coisa melhor pra fazer porque, droga, assim como eu você não tem.
Então, nós vamos para o Aleluia. Ok?
- Ok. – ele
me fitava um tanto assustado pela torrente de palavras, mas com uma ponta de
divertimento escondida em seus olhos.
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| Praça São Pedro |
A viagem foi
silenciosa e suficiente para acalmar nossos ânimos. Às onze horas chegamos na
praça cheia de luzes de Natal, com uma enorme árvore no centro com hinos de
natalinos cantados alegremente por um coral de crianças e adolescentes. O lugar
estava movimentado, de forma que segurei o braço do Guilherme para que não nos
perdêssemos na multidão.
- Então, o
que tem pra fazer aqui? – ele perguntou depois de dez minutos de caminhada
entre as pessoas e as barracas que vendiam comidas para arrecadar fundos para
alguma associação.
- Nada do que
você faria deitado no sofá vendo tv. – respondi.
Caminhamos
mais um pouco e descobrimos que havia a tradição de escrever votos natalinos e
pendurar na grande árvore montada no centro da praça. Enquanto escrevia os meus,
notei que Guilherme se afastou, aparentemente aproximando-se para observar as
renas mecânicas que pareciam alçar voo puxando um trenó.
- Você não
vai escrever as suas resoluções? – perguntei quando me reaproximei dele e notei
que ele estava guardando o celular no bolso. Estava ao telefone com alguém –
Desculpe. Não quis interromper.
- Ah, não
tudo bem. Quer comer alguma coisa?
Escolhemos
uma barraquinha de cachorro quente. Rimos enquanto o molho escorria pelos
nossos queixos e pingava em nossas roupas. Parecia que havia transcorrido
séculos desde que o meu voo fora cancelado. Depois que saísse do Aleluia, correria para a minha kitnet,
arrumaria outra mala e pegaria o voo da manhã. O louco seria contar para os
meus pais que eu havia contraído a dívida de um carro.
- Olha, me
desculpa. – começou Guilherme – Sabe, pela piada e tudo. Eu... Não acho de
verdade que o seu namorado não liga pra você.
- Tudo bem.
Aposto que ele nem lembra que eu deveria estar na casa da avó dele. Desculpa
pelo mau jeito também.
- Ah, não
precisa se desculpar. Acho que foi bem mais difícil para você.
– Por que você não gosta do Natal? – pensei um pouco e
então resolvi perguntar. Para o meu alívio, ele não pareceu incomodado.
- Minha namorada terminou comigo no Natal passado. 4 anos
de namoro. E ela termina no Natal. Você deve estar se perguntando: por que ela
não escolheu o meu aniversário?
Rimos disso e então o canto Vinde, Cristãos, vinde à porfia se intensificou, o que significava
que era meia-noite e que era Natal. A praça ficou mais iluminada do que já
estava enquanto as pessoas abraçavam umas às outras e observavam o show de
luzes.
Guilherme me
envolveu em seu abraço, sem dizer nada. Senti-me confortável. Há poucas horas
resistimos ao desejo de matar um ao outro e agora nos abraçávamos como se
tivéssemos cumprido uma nobre missão juntos.
- Obrigado. –
ele sussurrou no meu ouvido. Sem entender, afastei-me dele e olhei em seus
olhos.
- Pelo que,
exatamente?
- Por... Não
deixar que eu tivesse uma noite de Natal ruim.
- Ah... Bom.
Obrigada também. Por ter me salvado. Eu estava perdida em um lugar perigoso.
- Você não
pode falar assim do lugar onde eu moro. – eu corei e fiquei séria, mas ele
esboçou um largo sorriso que me fez perceber que não havia problema.
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| Olho Mágico, 2015 |
Quando nos
envolvemos em um segundo abraço natalino, aconteceram coisas muito rapidamente.
A primeira foi o vislumbre de Paulo vindo na nossa direção. A segunda foi
Guilherme sendo puxado para longe de mim. Depois o Paulo estava gritando em
cima de mim, dizendo que eu estava o traindo, enquanto o Erick, irmão do Paulo,
segurava o Guilherme, que não resistia, mas apenas me olhava.
- Solta ele
agora, Erick! – gritei.
- Você vai
defender esse cara? – o Paulo me segurou pelo braço.
- Quer que eu
defenda você por ter me dado um endereço pela metade? Ou por ter desligado a
internet? Ou por não me atender? Ou por ser um péssimo namorado?
Paulo ficou
mudo e fez um gesto para o Erick soltar o Guilherme, que veio direto para mim e
disse para que só eu ouvisse:
- Ele me ligou.
– então eu compreendi: ele deve ter retornado a ligação para o número que liguei
quando estava na estrada. Deveria ter deduzido que eu estava no Aleluia por causa da música. Não havia
outra celebração do tipo na cidade – Desculpa não ter dito nada. Não queria
estragar tudo.
Meu estômago
deu uma cambalhota, meu coração se partiu, meu rosto ficou escalarte e um nó
atou-se à minha garganta.
Definitivamente, o Guilherme era o herói da noite. Foi
então que me dei conta de que a música havia parado e que todos nos observavam.
Assim que pensei que havia sido um milagre que a polícia não tivesse aparecido,
surgiram três policiais, que nos levaram à delegacia para que disséssemos o
porquê de, em sã consciência, atrapalharmos o evento mais nobre da cidade.
A situação
foi esclarecida às duas e meia da madrugada. Paulo e Erick foram embora
resmungando alguma coisa que não entendi, mas não importava.
- Guilherme,
eu tenho que te pedir desculpas. Tudo isso...
- Caramba... –
ele disse enquanto fitava algo às minhas costas.
Quando me
virei, também fiquei surpresa com o que via: chegava à delegacia uma Brasília
azul escura: o carro do padrinho do Guilherme que havia sido furtado na estrada.
- Achamos na
beira de uma estrada, há menos de um quilômetro de onde vocês informaram que
foi roubado. – informou o policial depois dos formalismos – é um modelo antigo.
O visor do combustível está avariado. Você tem que verificar isso.
Provavelmente os ladrões abandonaram porque estava sem gasolina.
Rimos tanto
que tivemos medo de ser presos por desacato, mas bastou que o padrinho do
Guilherme fosse buscar o carro para tudo ficar resolvido.
Às seis da manhã eu já estava no aeroporto e consegui ir ao
encontro dos meus pais, que me encheram de mimos, como era esperado. Claro que
ocultei a parte de ter me perdido em um bairro suspeito, entrado em um carro
com um estranho, ter me metido em uma briga e parado na delegacia. Mas
mencionei a parte de ter terminado com o Paulo, que minha mãe ouviu com uma
felicidade tão grande que eu quase a culpei por não ter me dado a ideia antes.
Mais tarde naquele dia, notei que havia uma mensagem em uma
rede social:
Oi. Tudo
bem? Desculpa, tive que procurar a heroína do Natal. A perdida do Nat... Não, a
maluca que me meteu em um táxi e me obrigou a comemorar o Natal. Isso! ;)
Respondi o Guilherme com um sorriso nos lábios. Eu não
sabia muita coisa sobre magia natalina, mas sabia que alguns milagres haviam
acontecido na última noite e eu só queria continuar próxima da única testemunha
ocular de todos eles.
Até o próximo texto!
Texto de Kétlen Salvino Dávila, imagens do Pinterest






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